Sinais cerebrais e rastreamento ocular preveem decisões de compra
Imagine entrar em um supermercado e, antes mesmo de perceber, seu cérebro já ter decidido qual produto você vai comprar. Essa não é uma cena de ficção científica, mas um cenário real que pesquisadores estão desvendando com a ajuda de tecnologias como eletroencefalograma (EEG), rastreamento ocular e inteligência artificial. Um estudo recente propõe um modelo inovador capaz de prever decisões de compra com impressionantes 84% de acurácia, apenas analisando como nossos olhos se movem e como nosso cérebro reage diante de produtos.
Publicado em janeiro de 2025 na revista Frontiers in Computational Neuroscience, o artigo, assinado por pesquisadores de universidades do Paquistão, Noruega e Arábia Saudita, une duas ferramentas poderosas: o EEG, que capta a atividade elétrica do cérebro, e o rastreamento ocular (eye tracking), que registra para onde e por quanto tempo olhamos em uma tela. Ao cruzar essas fontes de dados, o modelo conseguiu identificar com alta precisão quais produtos um consumidor estava mais propenso a escolher.
A pesquisa representa um avanço importante no campo do neuromarketing, área que busca compreender o comportamento do consumidor com base em reações fisiológicas, indo além do que as pessoas verbalizam em entrevistas ou questionários. Muitas vezes, os consumidores não conseguem expressar exatamente porque escolhem um produto, e os motivos reais podem estar abaixo do limiar da consciência. É aí que a ciência entra para revelar o que o marketing tradicional não consegue acessar.
Como prever uma escolha?
Para testar a nova abordagem, os autores usaram o NeuMa Dataset, um banco de dados com registros de 42 participantes, todos falantes de grego, que analisaram produtos de supermercado em uma vitrine digital. Ao todo, foram apresentados 144 produtos, organizados em seis páginas digitais com 24 itens cada. Durante a tarefa, os participantes usavam sensores de EEG e um dispositivo de rastreamento ocular enquanto observavam os produtos na tela e selecionavam aqueles que comprariam com um clique de mouse.
Essas interações produziram milhares de amostras de dados cerebrais e visuais. O desafio inicial foi limpar esses dados, já que os sinais são altamente suscetíveis a ruídos causados por movimentos musculares, piscadas, interferências elétricas e outros fatores. Para contornar isso, os pesquisadores aplicaram filtros específicos capazes de preservar a qualidade original do sinal enquanto remove interferências.
Nos dados de rastreamento ocular, os pesquisadores preencheram as falhas causadas por piscadas ou perda de sinal usando uma técnica chamada interpolação linear. Depois, dividiram o tempo em pequenos trechos que se sobrepõem, o que ajudou a manter as informações contínuas e mais detalhadas ao longo do tempo.
Da onda cerebral ao clique do consumidor
Após o pré-processamento, os cientistas avançaram para a etapa de extração de características, responsável por traduzir os sinais brutos em informações interpretáveis. Parte dessas características foi obtida manualmente (como média, desvio padrão, assimetria e curtose das ondas cerebrais, densidade espectral de potência e coeficientes de wavelet). Outra parte foi extraída de forma automatizada por meio de redes neurais profundas.
Para os sinais cerebrais, usou-se um modelo CNN-LSTM: combinação de redes convolucionais, que capturam padrões espaciais, e redes recorrentes, que identificam padrões temporais. Já os dados oculares foram analisados por meio do modelo LeNet-5, tradicionalmente usado para reconhecer padrões em imagens. Assim, o sistema conseguia representar tanto o “como” quanto o “quando” da atenção visual e da resposta cerebral de cada pessoa.
As informações extraídas de cada modalidade foram combinadas em um único vetor de características, posteriormente processado por um sistema de aprendizado de máquina chamado stacking ensemble, que combina os resultados de três classificadores, Random Forest, Gradient Boosting e XGBoost, e faz a decisão final com base na votação de um quarto modelo, também Random Forest. Essa abordagem busca aproveitar os pontos fortes de cada algoritmo para melhorar o desempenho global.
Resultados acima das expectativas
O modelo final atingiu 84% de acurácia e 83% de precisão. Esses valores superam de forma significativa os obtidos por modelos baseados apenas em EEG ou apenas em rastreamento ocular. A curva ROC, métrica utilizada para medir a capacidade de discriminação do modelo, alcançou área sob a curva (AUC) de 0,89, demonstrando sua eficácia em distinguir entre os casos de “comprar” e “não comprar”.
Em conjunto, esses resultados mostram que a integração de EEG e eye-tracking, aliada a redes neurais e técnicas modernas de classificação, pode oferecer uma visão mais completa e mais previsível do comportamento de consumo.
O marketing do amanhã
Os autores veem um grande potencial de aplicação dessa metodologia no futuro. Ela pode ser adaptada para avaliar reações a campanhas publicitárias, protótipos de produtos, interfaces digitais e até conteúdos educacionais ou políticos, além de ser integrada a dispositivos de realidade virtual ou aumentada para experiências ainda mais imersivas.
O estudo mostra que nossas decisões de compra envolvem muito mais do que gostos conscientes ou argumentos racionais. Nossos olhos e nosso cérebro reagem em milissegundos a formas, cores, marcas e associações emocionais — respostas que podem ser medidas, interpretadas e usadas para prever comportamentos futuros.
Descobertas como essas podem inaugurar uma nova geração de estratégias de consumo mais personalizadas, eficazes e respeitosas. Talvez, em breve, ao navegar por uma loja virtual, você descubra que as sugestões de produtos não foram escolhidas por você, mas sim pelo seu próprio cérebro.
Essas conclusões vêm do artigo “Multimodal consumer choice prediction using EEG signals and eye tracking.” é de autoria de Syed Muhammad Usman, Shehzad Khalid, Aimen Tanveer, Ali Shariq Imran e Muhammad Zubair.