O que a neurociência revela sobre o cérebro de profissionais de vendas e P&D

Quando se fala em saúde mental no ambiente corporativo, as discussões costumam girar em torno de estresse, burnout e produtividade. Mas um estudo recente das universidades de Ciência e Tecnologia Shaoxing e Huazhong, na China, trouxe uma nova perspectiva ao mostrar que o tipo de trabalho exercido pode ter impactos distintos sobre o bem-estar psicológico, e que essas diferenças são visíveis até mesmo no cérebro.
Pesquisadores das duas instituições usaram uma técnica de neuroimagem chamada espectroscopia funcional no infravermelho próximo (fNIRS) para investigar como profissionais das áreas de vendas e de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), em empresas de alta tecnologia, reagem cognitivamente a tarefas simples. O objetivo, segundo eles, era identificar possíveis diferenças na saúde mental e nos níveis de estresse entre essas duas funções, que apresentam pontos comuns e contrastantes.
O estudo, publicado na revista Scientific Reports, envolveu 50 participantes (24 de P&D e 26 de vendas) que passaram por uma bateria de testes psicológicos e realizaram tarefas de fluência verbal enquanto suas atividades cerebrais eram monitoradas. Os resultados revelaram um padrão claro: os profissionais de P&D apresentaram melhores indicadores de saúde mental e maior atividade cerebral nas regiões relacionadas ao controle cognitivo. Já os profissionais de vendas demonstraram maior sobrecarga emocional, níveis mais altos de estresse e menor engajamento neural durante os testes.
Do questionário ao cérebro
A metodologia combinou instrumentos clássicos de avaliação psicológica com medições cerebrais em tempo real. Os participantes responderam ao Symptom Checklist-90 (SCL-90), um questionário que avalia sintomas como ansiedade, depressão, obsessões e somatizações, além do Occupational Stress Inventory-Revised (OSI-R), que mede o estresse relacionado ao trabalho e os recursos de enfrentamento como autocuidado, apoio social e recreação.
Em seguida, os voluntários realizaram uma tarefa de fluência verbal com monitoramento cerebral por meio de fNIRS. Essa técnica mede alterações na oxigenação do sangue no cérebro, permitindo inferir quais regiões estão mais ativas durante determinada tarefa. A atividade foi focada especialmente no córtex pré-frontal dorsolateral, região associada a funções executivas, e nas áreas de Broca, regiões no lobo frontal do cérebro, geralmente no hemisfério esquerdo, responsáveis pela produção da fala.
Vendas sob tensão, P&D mais estáveis
Os dados obtidos revelaram que os profissionais da área de vendas apresentaram escores significativamente mais altos nos sintomas de somatização, obsessão, depressão, ansiedade, hostilidade e paranoia. Ou seja, além de se sentirem subjetivamente pior, esses profissionais também mostraram mais sinais de sofrimento emocional em múltiplas dimensões. Em contrapartida, os profissionais de P&D exibiram padrões mais saudáveis, com pontuações menores nesses mesmos itens.
Nas neuroimagens, as diferenças também foram marcantes. Durante a tarefa de fluência verbal, os trabalhadores da área de P&D mostraram maior ativação no lado direito do córtex pré-frontal dorsolateral e nas duas áreas de Broca. Essa ativação mais intensa indica maior engajamento cognitivo e melhor capacidade de regulação emocional e atenção, funções frequentemente afetadas por estados de ansiedade e esgotamento.
Essas descobertas sugerem que, além dos sentimentos autorrelatados, há uma base neurofisiológica que distingue as experiências mentais desses dois grupos no ambiente de trabalho.
Autocuidado como fator protetor
Um dos achados mais relevantes do estudo está na diferença entre os grupos no que diz respeito ao autocuidado. No Personal Resources Questionnaire (PRQ), que avalia os recursos pessoais disponíveis para lidar com o estresse, a única subescala com diferença significativa foi justamente essa: profissionais de P&D relataram hábitos mais saudáveis de sono, alimentação e lazer. Já os de vendas pontuaram abaixo nesses quesitos.
Essa diferença pode parecer sutil, mas foi interpretada pelos autores como uma peça-chave para entender os contrastes em saúde mental e atividade cerebral entre os grupos. A hipótese é que por estarem constantemente em deslocamento, lidando com metas agressivas, negociações e pressão social, os vendedores tenham menos tempo e oportunidade de se cuidar, o que os torna mais vulneráveis ao estresse crônico e a seus efeitos colaterais. Em contrapartida, os profissionais de P&D, geralmente inseridos em rotinas mais regulares e com menor exposição social direta, conseguem manter práticas de autocuidado com mais consistência.
Cérebro, comportamento e hostilidade
Uma das correlações mais interessantes encontradas pelos pesquisadores foi entre os níveis de hostilidade relatados no SCL-90 e a atividade cerebral medida durante a tarefa de fluência verbal. Quanto menor a ativação no córtex pré-frontal e nas áreas de Broca, maior era o nível de hostilidade declarado. Essa associação reforça evidências anteriores da literatura científica que mostram que problemas emocionais como agressividade e irritabilidade estão relacionados a uma menor regulação cortical nessas regiões cerebrais.
Saúde mental não é igual para todos
Os elementos encontrados no estudo trazem implicações importantes para gestores e políticas de saúde corporativa. Em um mundo cada vez mais orientado a metas e resultados, entender como diferentes funções impactam o cérebro e a saúde emocional pode ajudar a formular estratégias mais eficazes de apoio psicológico, redução de estresse e promoção de bem-estar.
Os autores recomendam que empresas adotem uma abordagem mais personalizada na gestão de pessoas, considerando os perfis de estresse e autocuidado associados a cada cargo. Programas de promoção da saúde mental, como pausas ativas, oficinas de regulação emocional, incentivo ao autocuidado e avaliações periódicas, poderiam mitigar os efeitos deletérios do estresse, especialmente entre profissionais de vendas.
O estudo mostra que as diferenças na saúde mental entre profissionais de vendas e de P&D não são apenas percebidas nos relatos dos próprios trabalhadores, mas também estão registradas em seus cérebros. A forma como lidam com o estresse, o quanto conseguem se cuidar no dia a dia e o tipo de pressão que enfrentam são fatores que, juntos, moldam o estado emocional e cognitivo de cada grupo.
A mensagem é clara: promover a saúde mental no trabalho exige mais do que campanhas genéricas. É preciso entender as especificidades de cada função, respeitar as diferenças nos desafios enfrentados e oferecer suporte adequado para que todos possam se desenvolver com equilíbrio, promovendo uma mente sã, um cérebro ativo e um alto desempenho.