Gamificação ativa áreas do cérebro ligadas à motivação e atenção
Aprender pode ser tão envolvente quanto jogar — e o cérebro parece gostar disso. Um novo estudo europeu revelou que atividades educativas com elementos de jogos ativam regiões cerebrais associadas à motivação, atenção e recompensa, mesmo quando o desempenho dos alunos não muda significativamente. A descoberta reforça o potencial da gamificação como ferramenta para tornar o aprendizado mais prazeroso e eficaz.
Nos últimos anos, escolas, professores e desenvolvedores de tecnologia educacional têm apostado cada vez mais em jogos para ensinar. A promessa é tentadora: transformar atividades monótonas em experiências divertidas e engajadoras. Mas será que os jogos realmente mudam a forma como o cérebro aprende? E o que acontece em nível neural quando adicionamos elementos lúdicos a uma tarefa pedagógica?
Esse tipo de abordagem se apoia na chamada gamificação, um conceito que consiste em aplicar elementos típicos dos jogos como recompensas, desafios, narrativas, personagens ou feedback visual em contextos que não são, originalmente, jogos. Em vez de criar um jogo completo, a gamificação busca tornar tarefas comuns mais motivadoras e prazerosas, estimulando o engajamento emocional e cognitivo dos participantes.
O experimento: como o cérebro reage ao aprender com jogos
Para investigar os efeitos dessa estratégia, um grupo de pesquisadores da Universidade de Graz, na Áustria, e de outras instituições europeias decidiu investigar como o cérebro reage a um jogo educativo voltado ao ensino de frações. Em vez de usar métodos tradicionais de imagem cerebral como a ressonância magnética funcional (fMRI), eles optaram por uma técnica mais portátil e menos invasiva: a espectroscopia funcional de infravermelho próximo (fNIRS). Com esse método, é possível medir alterações na oxigenação do sangue no cérebro, como um indicativo de ativação neural, enquanto o participante realiza atividades em um ambiente mais real.
O experimento reuniu 41 jovens adultos entre 18 e 30 anos, que realizaram duas versões de uma mesma tarefa: uma convencional e outra baseada em game. A atividade consistia em estimar a posição de frações em uma linha numérica, um exercício comum no ensino de matemática. Na versão tradicional, o participante ajustava uma barra branca sobre a linha; na versão com elementos de jogo, controlava um cãozinho virtual que cavava no local estimado e reagia emocionalmente ao acerto ou erro, sorrindo ou chorando, respectivamente. Ambas as tarefas tinham o mesmo grau de dificuldade, tempo e objetivos, mas apenas a segunda contava com narrativa visual e feedback animado.
O que o cérebro revela sobre o impacto dos jogos
Durante a realização das tarefas, os cientistas monitoraram a atividade cerebral nos lobos frontais, regiões associadas à atenção, controle cognitivo e processamento de recompensas. Também foram medidos batimentos cardíacos e aplicados questionários sobre humor, envolvimento (imersão) e experiência do usuário após cada versão.
Os resultados foram reveladores. Embora o desempenho, ou seja, a precisão das respostas, tenha sido praticamente o mesmo nas duas versões, o cérebro reagiu de maneira distinta. A tarefa com elementos de jogo provocou maior ativação nas áreas frontais do cérebro, em especial no hemisfério direito, incluindo o córtex orbitofrontal, o córtex frontal superior e o córtex frontal médio. Essas regiões estão associadas a processos como recompensa, emoção, atenção e memória de trabalho.
O córtex orbitofrontal, por exemplo, é conhecido por seu papel no processamento de estímulos prazerosos e recompensadores, sugerindo que os elementos do jogo, como o cãozinho que sorri ou chora após cada resposta, despertaram respostas emocionais mais intensas nos participantes. Já a ativação no córtex frontal superior pode estar relacionada à estimulação visual mais rica do ambiente gamificado. E o aumento da atividade no córtex frontal médio, por sua vez, pode refletir maior engajamento atencional e carga cognitiva, embora isso não tenha impactado negativamente o desempenho dos participantes, que continuou elevado.
O perfil de ativação indica que a gamificação, mesmo quando aplicada de forma sutil e integrada ao conteúdo, é capaz de envolver o cérebro de maneira mais ampla, especialmente em aspectos emocionais e motivacionais, sem necessariamente alterar os resultados imediatos da tarefa. Isso reforça a ideia de que o envolvimento cognitivo e emocional pode ser intensificado com o uso inteligente de elementos lúdicos.
Mais atraente, mas nem sempre mais envolvente
Os participantes avaliaram a versão baseada em game como mais estimulante, atrativa e inovadora. No entanto, não relataram mudanças no humor nem maior sensação de “flow”, aquele estado de imersão total na atividade. A frequência cardíaca também permaneceu estável, o que os autores atribuem à natureza calma e sem consequências severas do jogo (sem competição ou penalidades fortes).
Gamificação essencial: o segredo está na medida certa
Para os pesquisadores, esses achados reforçam a ideia de que elementos de jogos bem integrados ao conteúdo educativo podem promover maior engajamento cognitivo e emocional. E ainda, que o uso de fNIRS permitiu capturar essas reações de forma mais ecológica, ou seja, em contextos que se assemelham mais à vida real do que os ambientes fechados de um scanner de ressonância, por exemplo.
O estudo também chama atenção para a importância do design instrucional. Ao evitar jogos excessivamente complexos ou com elementos puramente decorativos, os autores garantiram que as diferenças observadas fossem de fato causadas pela gamificação essencial, aquela capaz de integrar os objetivos de aprendizagem com os recursos lúdicos. Essa abordagem, conhecida como “integração intrínseca”, é considerada uma das mais promissoras na área de jogos educativos.
Uma nova janela para a neuroeducação
A pesquisa oferece uma contribuição valiosa para o campo da neuroeducação. Ao mostrar que a gamificação pode mudar o modo como o cérebro se envolve com tarefas cognitivas, ainda que o desempenho não mude de imediato, os autores apontam um caminho para tornar o aprendizado mais motivador e eficaz. Em tempos em que o desinteresse dos alunos é um dos grandes desafios educacionais, entender como capturar sua atenção de forma positiva pode ser a chave para transformar salas de aula e plataformas digitais. Neste contexto, o ensino baseado em Realidade Virtual pode ser um bom aliado.
Este artigo tem como base o estudo intitulado “Engaging learners with games – Insights from functional near-infrared spectroscopy”, que foi publicado em 2023 na revista PLOS ONE, por Melina De Nicolò, Thomas Kanatschnig, Manuel Hons, Guilherme Wood, Kristian Kiili, Korbinian Moeller, Simon Greipl, Manuel Ninaus e Silvia Erika Kober.


